segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Ciência, razão e fé

Os aparentes conflitos entre ciência, filosofia e religião só podem surgir dentro de determinada situação cultural. Berdiaeff situa a filosofia entre a ciência e a religião, e observa:
“No conflito entre a religião e a filosofia, a verdade está do lado da religião, quando a filosofia pretende substituir-se-lhe em tudo o que diz respeito à salvação e à vida eterna; mas a verdade está do lado da filosofia, quando esta reivindica o seu direito a um conhecimento mais elevado que o saber constituído pelos elementos de conhecimento ingênuo que se misturam à religião” (BERDIAEFF, Nicolai. Meditações sobre a existência, p. 29).
É o que de alguma maneira defende Max Scheler, ao distinguir entre o saber cultural, o saber de salvação e o saber de ciência. Nenhum desses saberes pode substituir o outro. E completa o filósofo alemão: "culto não é aquele que sabe e conhece "muito" o modo de ser contingente das coisas (polymathia), ou aquele que pode prever e controlar ao máximo os fenômenos de acordo com leis - o primeiro é o erudito, o segundo, o investigador -, mas culto é aquele que se apropriou de uma estrutura pessoal, de um conjunto de esquemas ideais móveis, que, apoiados uns nos outros, formam a unidade de um estilo em função da intuição, do pensamento, da compreensão, da valoração e da forma de tratar o mundo e quaisquer coisas contingentes neles contidas..." (SCHELER, Max. Visão filosófica do mundo, p. 56).
E é ainda mais enfático na seguinte passagem: "Culto é aquele - dizia-me uma vez um homem sábio - em quem não se nota que estudou se tiver feito os estudos; e em quem não se nota que não estudou se não tiver feito os estudos” (SCHELER, Max. Visão filosófica do mundo, p. 46).


A condição humana diante do ser

Cada um de nós se reconhece na realidade do mundo, do seu próprio corpo e do seu espírito como capacidade de se realizar no mundo, que é uma responsabilidade sobre si: “o eu é algo de dado como fundante, que é expresso na realidade presente como potencialidade, no sentido de uma capacidade efetiva de realização seja do corpo como do espírito” (FABRO, Cornelio. Introduzione a San Tommaso, p. 181).
O interesse investigativo humano brota, como bem se sabe, do estupor, da admiração diante de alguma manifestação do ser, chamada de problema ou de mistério. Essa admiração está presente em toda atividade contemplativa: “o ente é o que primeiro cai sob o nosso intelecto”, repete com frequencia Santo Tomás. A prioridade do ente, enquanto partícipe do ato de ser, no processo humano de conhecimento é uma intuição fundamental do tomismo. E é pelos entes que se acede ao ser. Não é o nada, a falta de sentido, tão enfatizados no século XX, pode-se lembrar, com propriedade, aqui a obra de Sartre. Mas também o próprio Nietzsche, ou mesmo Hegel, se se retrocede um pouco mais.
Em outras palavras, contrariamente a todo niilismo, a experiência fundamental do homem é a experiência do ser. E a harmonia entre razão, ciência e fé depende desse ponto de partida comum à inteligência humana, pois o primeiro que cai sob o nosso intelecto é o ente...

Carlos Frederico Gurgel Calvet da Silveira

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